Carmen Souza junta "Donna Lee" e funaná
Nos seus concertos, Carmen Souza gosta de pôr toda a gente a cantar o refrão de Afri ka. E não só põe toda a gente a cantar como faz questão de explicar o que querem dizer aquelas palavras. "Sabor sabi é algo que sabe bem, pensem em algo de que gostam muito", pede ao público. Porque é importante que sintam o que estão a cantar. E é engraçado ver como, seja no Japão ou em França, toda a gente se esforça por dizer aquelas palavras em crioulo.
Provavelmente vai ser assim também hoje, no concerto na Culturgest, em Lisboa, e amanhã no Teatro Viriato, em Viseu. No palco com Theo Pascal (baixo), Elias Kakomanolis (percussão) e Ben Burrel (piano) e com toda a gente a cantar pelo paraíso e pela cor vermelha do pôr do sol em Afri ka.
É de aproveitar a oportunidade de a ir ver, pois Carmen Souza não costuma atuar por cá. Estabelecida em Londres, a cantora de 32 anos passa grande parte do tempo em viagem. Depois destes concertos em Portugal, ainda sob o signo de Kachupada, o seu último álbum, vai lançar um novo disco - Carmen Souza Live @ Lagny Jazz Festival - e no fim do mês inicia mais uma digressão que começa com várias datas em França e depois a vai levar à Suécia, Áustria, Estados Unidos da América, Alemanha, etc.
Ouça Carmen Souza:
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Carmen cresceu em Almada numa família cabo-verdiana, rodeada de música e de alegria. Luís Morais, Travadinha, Cesária Évora, Bana, Voz de Cavo Verde, os Tubarões eram alguns dos músicos que se habituou a ouvir e também a tentar imitar. "Parti muitas cordas da guitarra do meu pai", recorda. "Não só ouvia muita música em casa como também todos os domingos os meus pais levavam-me à igreja do nazareno, que era uma igreja evangélica, um meio muito musical. Sempre gostei muito. Ficava fascinada com aquilo tudo."
Aos 17 anos, Carmen começou a cantar num grupo de gospel e foi aí que conheceu Theo Pascal, baixista e diretor musical, com quem iniciou uma colaboração que se mantém até hoje. Com pequenos passos, Carmen Souza foi explorando a sua voz, mas também os outros instrumentos e, aos poucos, começando a compor.
Esse ê nha Cabo Verde, o primeiro disco, lançado em 2005, foi o seu cartão de visita: nele, juntava o som do jazz com o som de Cabo Verde. E, depois de Verdade (2008), Protegid (2008) e Kachupada (2012), esses são ainda os dois pilares da sua música. E com uma particularidade: Carmen usa os vários sotaques do crioulo, de diferentes ilhas, para dar tonalidades diferentes às suas músicas. "O crioulo é quase como um quarto instrumento, para além da voz, do piano e da guitarra", explica. O jazz cantado em crioulo é uma raridade e uma delícia.
"A Kachupada reúne vários sabores, tal como o prato em si, é uma celebração. Quando componho não penso que vou fazer mais assim ou mais de outra forma. É como se houvesse qualquer coisa dentro de mim que faz esta mistura e a música quando sai de mim já sai assim. Tem a ver com aquilo que eu oiço e respiro todos os dias", explica. "O jazz é improvisação em tempo real. É aquilo que sentes no momento. E isso é muito interessante porque faz que cada músico tenha a sua voz própria, muito natural, espontânea. É isso que eu admiro em músicos como John Coltrane, Bill Evans, Ella Fitzgerald ou Billie Holliday."
Viva, pois, a mistura. A ousadia grande em fazer Donna Lee, de Miles Davis, com um ritmo de funaná ou em pôr um batuque no My Favourite Things (sim, a do musical Música no Coração) ou até em dar uma interpretação muito especial a Sôdade, de Cesária Évora. "Gosto dessas trocas", diz Carmen Souza, que sonha com o momento em que lhe deixem de perguntar como é que define a sua música: "Acho que a música vai chegar a um ponto em que vai deixar de ter rótulo e vai ser a música de cada artista." É jazz? É world music? É Carmen Souza, e isso basta.